Variante tem capacidade de transmissão maior, mas onda de infecção deve ser curta e com casos menos graves.
Depois de dois anos de pandemia de Covid-19, é possível ver uma luz no fim do túnel, apesar da disseminação da variante Ômicron, que fez o mundo bater recorde de pessoas infectadas. Essa é a opinião de dois especialistas brasileiros.
Pedro Hallal, epidemiologista e ex-reitor da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), se diz um “otimista moderado”. Para ele, a variante Ômicron, comprovadamente mais contagiante, mas menos agressiva, pode representar o primeiro passo para que a Covid-19 passe de um estado pandêmico (isto é, em níveis descontrolados mundialmente) para endêmico.
Um dos motivos é que as características da nova cepa mostram que sua onda no Brasil deve ser curta. “Já observamos isso na África do Sul e começamos a ver na Europa e nos EUA. A Ômicron é muito rápida na transmissão, mas assim como sobe rápido o gráfico de número de casos, ele tende a descer rápido”, explica Hallal.
Nova variante, nova onda
A situação atual é de uma nova onda, com aumento de casos porque a Ômicron tem uma capacidade de transmissão muito maior do que a de todas as cepas anteriores, segundo a pneumologista e pesquisadora da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) Margareth Dalcolmo. Ela destaca que, graças à vacinação, os casos são menos graves.
“No Brasil, possivelmente chegaremos perto de um milhão de casos por dia, com uma letalidade baixa. São muitos casos, a maioria muito benignos, mas que transmitem muito. Isso causa, em última análise, uma pressão sobre o sistema de saúde e, mais do que isso, causa um absenteísmo enorme ao trabalho. Hoje nós temos serviços essenciais sendo prejudicados pela ausência de pessoas”, diz Dalcolmo.
A variante chega ao país com uma população amplamente vacinada, incluindo a dose de reforço. Até o dia 13 de janeiro, 68% dos brasileiros já haviam completado o primeiro ciclo de vacinação. Estudos já mostraram a eficácia dos imunizantes contra a nova cepa quando uma terceira dose é aplicada, aumentando significativamente os níveis de proteção – em especial, evitando casos graves e mortes.
“Quem está internado em hospital basicamente são casos de não vacinados, ou que só tomaram uma única dose por qualquer razão, ou pacientes muito idosos, ou com infecção por influenza A, ou com comorbidades muito graves, que já complicariam qualquer coisa. Essa é a situação atual”, explica a pneumologista.
As próximas semanas serão preocupantes no país devido ao afastamento dos profissionais de saúde que estiverem doentes, principalmente em emergências e enfermarias de hospitais e serviços essenciais. Mas isso deve passar rápido. “Não deve durar muito porque a doença tende a ser curta. A maior parte das pessoas fica bem, pode voltar ao trabalho, a uma vida social normal, com os cuidados que recomendamos”, afirma Dalcolmo.
Hallal diz acreditar em uma melhora da pandemia. “É possível imaginar, neste momento, que a Ômicron seja o começo do fim da pandemia. Com todos os cuidados, claro. Depois que a nova onda passar, em lugares com muita vacinação é provável que iremos lidar com a Covid como mais uma doença”, disse à Forbes.
Dalcolmo também considera que após a segunda dose de reforço, a Covid-19 deve começar a perder força. “Minha impressão é que nós, que tomamos o primeiro reforço, deveremos receber um segundo reforço, ou seja uma quarta dose de vacina, e aí provavelmente ela deve ir diminuindo ao longo dos próximos meses, ao longo do ano de 2022.”
Dá para rastrear Covid-19 como gripe comum?
Recentemente, a Espanha cogitou enfrentar a Covid-19 como a gripe comum, mas a OMS (Organização Mundial da Saúde) afirmou que ainda faltam estudos que permitam tratá-la dessa forma. Hallal concorda que a afirmação é precipitada para o momento, mas diz acreditar que essa é a tendência a longo prazo.
Dalcolmo também discorda do direcionamento espanhol: “Ainda vivemos uma epidemia, uma situação pandêmica, temos uma nova variante em um momento em que o mundo tem uma desigualdade vacinal imensa Na própria Europa tem de 30% a 35% da população que não se vacinou, então por diversas razões é uma situação que nos preocupa.”
Tedros Adhanom, diretor-geral da OMS, se mostrou esperançoso de que 2022 pode marcar o fim da pandemia. Segundo ele, além das medidas já conhecidas – como uso de máscara, higiene das mãos e evitar aglomerações -, uma distribuição mais igualitária dos imunizantes contra a Covid-19, especialmente para países mais pobres e vulneráveis, é imprescindível para atingir esse estado ainda neste ano. Para isso, a organização segue apoiando consórcios globais, como o Covax Facility, com a meta de vacinar 70% da população mundial até meados de 2022.
Enquanto o fim da pandemia não chega, Hallal reforça a importância de se manter protegido: “Ainda não é hora de abandonar a máscara nem de fazer grandes eventos. Temos que aproveitar que a onda da Ômicron tem tudo para ser curta e pode ser o começo do fim. E quando ela acabar, então pensamos se é prudente abandonar as medidas, uma por uma. Não tem por que apressar”.
Dalcolmo reforça a necessidade de se cuidar. “Nunca as medidas não farmacológicas foram tão importantes: máscaras de boa qualidade, lavar as mãos o tempo todo, lembrando que essa cepa contamina por contato também – não é só por transmissão de aerossol -, não aglomerar. Os cuidados ditos pessoais e coletivos nunca foram tão importantes quanto agora.”
Como será o futuro após a pandemia?
É fato que a Covid-19 não irá simplesmente desaparecer, o que significa que será preciso conviver com a doença daqui para a frente. Para Hallal, o recomeço pós-pandemia se parece muito com o que já vivemos com doenças como a gripe: com contágios sazonais, novas variantes e vacinas regulares (que também deverão ser adaptadas contra as mutações). Uma das incógnitas, no entanto, é com que frequência deverá acontecer imunização – de seis em seis meses ou a cada dois anos, por exemplo.
Para Dalcolmo, o Sars-Cov-2, que causa a Covid-19, não deve se tornar sazonal como a gripe, por isso a pneumologista acredita que não teremos que nos vacinar todo ano. “Não ficará, a meu juízo, uma doença da sazonalidade, como é a gripe, que ocorre todos os anos na virada do outono para o inverno. Não creio que isso vá ocorrer com a Covid-19.”
A pesquisadora explica que o Sars-Cov-2, que causa a doença, é um vírus endêmico, que ficará entre nós. “Vai ter um caso ou outro, como as coronaviroses anteriores que houve. Tanto o Sars-Cov-1 como a Mers-Cov desapareceram. Por que desapareceram? Porque viroses respiratórias de transmissão aguda são assim, desaparecem. A própria Gripe Espanhola desapareceu. Essa (Sars-Cov-2) não vai desaparecer e vai ficar endêmica por quê? Porque nenhuma das outras foi tão pandêmica quanto essa. Vai guardar uma endemicidade que já sabemos. Vamos fazer o diagnóstico e vamos tratar.”
Para Hallal, práticas necessárias durante a pandemia, como evitar aglomerações e locais fechados, não devem permanecer de forma ampla no futuro, a não ser o uso de máscaras em algumas ocasiões. “Não acho que vamos usar máscara para a vida toda. A única coisa que acho que veio para ficar é o costume, que alguns orientais já tinham antes, de usá-la quando estão com sintomas gripais”.
Para lidar com situações como a atual no futuro, a pneumologista ressalta a importância do conhecimento científico. “É um investimento nobre que qualquer país nesse momento tem que estar consciente de fazer. Acho que a Covid-19 provou de uma vez por todas, sobretudo no Brasil, onde a comunidade científica foi tão pujante, trabalhou tanto, produziu tanto. É muito importante que saibamos disso.”
FONTE: Forbes Saúde